18 de jun. de 2008

Escalando a montanha da sustentabilidade

Por Ricardo Voltolini, da Revista Idéia Socioambiental


Um dos mais importantes líderes em sustentabilidade do mundo, Ray Anderson costuma usar a metáfora da montanha para explicar o trajeto que uma empresa deve fazer para ser sustentável. Entre a base e o topo, há, segundo ele, sete estágios a cumprir, nenhum dos quais pode ser pulado sob pena de comprometer a qualidade da escalada.

Foi exatamente esse roteiro que Anderson adotou para transformar a sua InterfaceFlor na mais sustentável fabricante de carpetes do planeta, o que não é pouco se considerar o fato de que, até 1994, o empresário sequer havia pensado nos impactos do seu negócio para o meio ambiente.

O primeiro passo de Anderson consiste em eliminar o lixo dos processos industriais, cortando o desperdício de recursos. O segundo refere-se a envolver os fornecedores em um esforço de redução de emissão de carbono. O terceiro diz respeito à busca de eficiência energética, substituindo a matriz de combustível fóssil por fontes renováveis. O quarto abriga as atividades de redesenhar processos, reciclar e reutilizar. O quinto está relacionado ao esverdeamento da cadeia de transporte. O sexto tem a ver com a mudança da cultura interna para um novo modelo de produção, ambientalmente responsável. E o sétimo, mais abrangente, compreende a reinvenção da atividade comercial e do próprio mercado, a partir de novas regras que possibilitem a convivência mais harmoniosa entre a biosfera e a tecnosfera.

A predominância da vertente ambiental no roteiro de Anderson se explica por sua nacionalidade norte-americana. Estivesse ele no Brasil, o rumo ao topo exigiria certamente um reforço no vetor social do tripé (econômico-ambiental-social) que caracteriza o conceito da sustentabilidade. Isso não desmerece a simbologia da metáfora. Nem reduz a sua importância como narrativa mítica. Para o que interessa a este artigo, a lição que se extrai da saga de Anderson é que não se atinge o pico da montanha sem esforço, sem crença firme, sem uma bússola de valores humanos, sem plano de ação e estratégias capazes de superar os entraves naturalmente impostos à mudança -- a transformação exigida pelo conceito de sustentabilidade, vale dizer, é especialmente mais espinhosa porque desafia o raciocínio lógico-cartesiano, típico da moderna teoria da administração, na medida em que sugere um modo mais sistêmico de pensar e fazer negócios, baseado na interdependência entre empresas, pessoas e meio ambiente.

Uma breve análise da realidade brasileira mostra que aqui muitas empresas estão querendo chegar ao topo da montanha sem enfrentar todos os dilemas do trajeto. Essas corporações podem ser divididas em três grupos: as minimalistas, as pragmáticas e as impostoras.

As minimalistas são as que caminham o mínimo possível, sem nenhuma convicção, apenas para parecer estar em movimento. Não possuem a intenção de atingir o pico da sustentabilidade pelo simples fato de que não vêem importância nisso. Sua crença é frágil, seus valores frouxos. Isso não as impede de tentar convencer os seus públicos de que são esforçadas porque sabem que uma eventual percepção pública de indiferença colocaria em risco os seus ativos de reputação. No fundo, não querem pagar a fatura da mudança. Enxergam a sustentabilidade como custo e não oportunidade. Por isso, vivem em compasso de espera.

As pragmáticas estão mais dispostas para a escalada. Mas escolhem os passos – e o ritmo dado a eles – de acordo com as suas conveniências e necessidades. Sabem que a sustentabilidade requer mudanças em modelos de produção e estratégias de negócio. E que essas mudanças consomem energia, esforços e recursos. Por essa razão, pulam os trechos desconfortáveis, os mais dilemáticos para o negócio, mesmo sabendo que são relevantes na caminhada. Justificam suas decisões com o argumento de que ainda não estão maduras para mudar. De qualquer modo, mesmo que lentamente, evoluem na direção do cume. Têm crenças, líderes, práticas efetivas e boas intenções. Falta-lhes, sobretudo, mais determinação.

As impostoras recebem este nome porque acham, de verdade, que é possível chegar ao topo da montanha sem cumprir nenhum dos estágios exigidos. Nem se esforçam para isso. No máximo, criam um projeto social ou ambiental para fins de divulgação à imprensa. Até sabem o que precisam fazer. Mas não fazem. Aceitam que a mudança necessária é complexa demais para sua cultura. Satisfazem-se com uma fotografia delas no pico, ainda que produto de montagem grosseira, para ter o que mostrar aos stakeholders. Não possuem líderes nem crenças ou valores socioambientais. Orientam-se por uma única rota: a de que a única ética que vale em negócios é a do bottom line, do desempenho de curto prazo.

Perguntado sobre quando teve o insight de adotar um modelo sustentável para seu negócio, Anderson o atribuiu a uma pressão recebida por parte de consumidores que desejavam saber dos compromissos ambientais da companhia. O poder está com as pessoas. Faça você, leitor, uma análise das empresas das quais consome produtos e serviços, e procure se informar se, em relação à escalada da montanha, elas são minimalistas, pragmáticas ou impostoras. Use o poder da sua decisão de consumo para fazê-las mudar de idéia. O planeta e a sociedade agradecem.


* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável. ricardo@ideiasustentavel.com.br

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(Envolverde/Idéia Socioambiental)

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