30 de set. de 2009

Os desafios da Comunicação Empresarial brasileira

A Comunicação Empresarial brasileira, apesar dos seus avanços indiscutíveis, se depara ainda com imensos desafios a serem superados. Estes desafios são interpostos pelo mercado, pela sociedade, pela ação mobilizadora dos públicos de interesse e sobretudo pela própria maneira com que muitas organizações contemplam a comunicação.

O mercado se vê diante, cada vez com maior freqüência e intensidade, da síndrome do camaleão, ou seja muda de cor a cada momento, em virtude das circunstâncias, obrigando organizações e profissionais a deixarem repetidamente a sua zona de conforto, o que, convenhamos, tem um efeito pedagógico importante. Ao mesmo tempo se caracteriza pela concentração empresarial, derivada de fusões e aquisições ou do crescimento de alguns "players", favorecidos pela relação (nem sempre ética) com governos e a elite brasileira.

Podemos enumerar algumas situações: a) as farmacêuticas andam comprando os fabricantes de genéricos e sufocando a concorrência. O paciente acaba pagando a conta; b) Os 5 maiores bancos brasileiros já respondem por mais de 77% dos ativos e os 10 maiores por quase 90%. E os juros e as tarifas continuam abusivos; c) Governos sustentam montadoras, contemplando gestões perdulárias e incompetentes. E a poluição aumenta nas grandes cidades, matando milhares de pessoas anualmente; d) Empresas de biotecnologia transnacionais avançam sobre as empresas locais de forma predadora. E o país fica refém do monopólio das sementes.

A sociedade , com a participação expressiva dos movimentos sociais e de lideranças esclarecidas, toma consciência de seus direitos e deveres e cobra mudanças. O apagão ético e tecnológico da Telefônica mereceu amplo repúdio da opinião pública, absolutamente merecido. As ONGs de fachada (e como elas proliferam nesse país!) são retiradas de dentro dos armários e mostram a cara. Com isso algumas empresas públicas, que as subsidiam, acabam aparecendo no reflexo do espelho e ganham manchetes desfavoráveis na mídia. Aumenta a vigilância sobre a gestão da coisa pública e alguns bigodes ilustres migram das páginas de política e cultura (alguns ex-presidentes são imortais de Academias sem terem publicado livros ou sem terem leitores para aqueles que ousaram publicar) para as páginas policiais.

Os públicos de interesse assumem cada vez mais o papel de parceiros (e patrulheiros) das organizações e cobram coerência entre o discurso e a realidade. Cai a máscara do marketing verde e aumenta a desconfiança e a irritação contra as tentativas repetidas de limpeza de imagem de organizações irresponsáveis socialmente. Além disso, esses públicos exigem atenção especial, requerem canais de relacionamento competentes e cobram reciprocidade. Clamam por respostas precisas e rápidas e dispensam promessas vazias que não são acompanhadas dos respectivos projetos de implementação., Os RIMs (Relatórios de Impacto) - ambiental, social, econômico são cada vez mais obrigatórios.

A evolução acelerada das tecnologias , o fato de as pessoas e grupos terem ganho voz e estarem organizados em redes sociais eficazes acabam provocando mudanças profundas no relacionamento com as organizações. Mas elas, em sua maioria, continuam lentas, não democráticas, imaginando que o seu passado pode respaldar o seu presente e futuro.

Embora este artigo não tenha fôlego para examinar em detalhe alguns dos desafios (e são muitos) para a comunicação empresarial brasileira, podemos alinhar pelo menos 12 deles:

1) A comunicação empresarial brasileira não pratica efetivamente a segmentação de públicos e canais e defende a tese equivocadíssima de que " tudo que cai na rede é peixe";
2) A comunicação empresarial brasileira não assume uma perspectiva crítica, acreditando mais em versões do que em fatos. Ela se caracteriza pela obsessão por autoelogios e pela multiplicação desordenada de "cases de sucesso", muitos deles meros exercícios de hipocrisia e mentira empresariais;
3) A comunicação empresarial brasileira confunde terrenos e praias distantes como a distinção obrigatória entre espaço editorial e espaço publicitário dos jornais e ignora a complexidade dos processos, simplificando-os inadvertidamente;
4) A comunicação empresarial proclama-se descontraída e democrática com os públicos externos mas permanece autoritária em relação aos públicos internos, com práticas abusivas de assédio moral, desestímulo à divergência, recusa em aceitar o funcionário como protagonista e assim por diante;
5) A comunicação empresarial brasileira não leva a fundo os conceitos, desconstruindo-os ao longo do tempo. Isso vale para os conceitos de responsabilidade social, sustentabilidade, comunicação estratégica e comunicação integra, entre outros;
6) A comunicação empresarial tem boca grande e ouvidos pequenos, isto é, está mais propensa a falar do que a ouvir, sintoma da arrogância de algumas organizações de grande porte que, respaldadas em seu poderio econômico, tentam fazer prevalecer as suas posições e mentiras com campanhas milionárias de publicidade;
7) A comunicação empresarial brasileira defende a tese de que as redes sociais são espaço para propaganda e/ou manipulação e não as contempla como ambientes inovadores de interação. Muitas organizações estão na rede para descobrir e neutralizar adversários e não, para fazer amigos;
8) A comunicação empresarial brasileira insiste em confundir visibilidade com transparência e concebe blogs corporativos para parecer o que não é e não pretende efetivamente ser;
9) A comunicação empresarial brasileira alimenta "botos organizacionais" - a Rádio Peão, "Eles lá em cima" etc- e os torna bode expiatórios de suas mazelas, mascarando incompetências de gestão;
10) A comunicação empresarial brasileira privilegia muitas vezes a piroctenia (a forma) em detrimento do conteúdo e fica, como a mariposa, seduzida pelo brilho da lâmpada tecnológica;
11) A comunicação pública brasileira vem sendo gradativamente privatizada, com a destruição de equipes de comunicação que têm como função a preservação das identidades organizacionais. Troca trabalhos e processos permanentes por Jobs desenvolvidos por agências e assessorias externas, contratadas para atender a caprichos e interesses de dirigentes com ambições pessoais e políticas;
12) A comunicação empresarial brasileira não se respalda em políticas de comunicação efetivamente pactuadas com seus públicos de interesse, continua "tarefeira" e não estratégica.

Evidentemente, há muitas exceções neste cenário, com o surgimento de agências competentes (uma delas , com poucos profissionais, enfrenta problemas que a Petrobras, com mais de 1.100 profissionais de comunicação, é incapaz de resolver), gestores capacitados e ações e estratégias inovadoras. Mas as exceções, como diz o ditado, apenas confirmam a regra.

É preciso, para que os desafios sejam efetivamente vencidos, que a comunicação empresarial brasileira esteja colada a uma cultura de gestão democrática, ética, que privilegie a liberdade de expressão, o respeito às idéias contrárias, e que assuma um compromisso com o interesse público.

Por enquanto, com as exceções de praxe, ela "badala", empenha-se para ganhar prêmios e troféus (todo mundo acaba tendo um e o processo anda vulgarizado), em beijar a mão de empresários com um ego formidável e neurônios pouco ativos e um autoritarismo e arrogância de dar dó.

As mudanças virão com o tempo e com as pressões contínuas do mercado, da sociedade e dos públicos de interesse em particular. Até lá, o cenário continuará sendo sombrio, apesar das insistentes tentativas de transformar a comunicação empresarial num território cor-de-rosa, com muita pompa e brilho, do tipo "engana que eu gosto". Comunicadores mais críticos poderão acelerar o processo, mas eles andam em falta no mercado, calados com medo de perder empregos e clientes.

Em tempo 1) Chegamos ao centésimo artigo publicado no Portal Imprensa e é mesmo motivo para comemorar e agradecer aos colegas que têm permitido aqui o exercício do espírito crítico. Que as organizações possam aprender com o Portal Imprensa a importância de se respeitar o debate e a liberdade de expressão.

Em tempo 2) As escolas de comunicação têm um papel importante a desempenhar na mudança deste cenário pouco favorável. Mas, para isso, precisam também privilegiar a educação crítica, cidadã, comprometida com o desenvolvimento pessoal, profissional e a qualidade de vida.

Vamos em frente. Como diz o filósofo José Simão, quem fica parado é poste!

* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.

Fonte: Portal Imprensa

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